Assunto: Entrevista a Gonçalo Brito Sáb Dez 19, 2009 7:23 am
Gonçalo Brito dispensa apresentações. Esteve envolvido em inúmeros projectos nacionais ligados aos videojogos e não só. Marcou-se encontro no Parque das Nações para uma entrevista onde o humor e a boa disposição foram uma constante, quer na troca de ideias, quer na partilha de experiências, para que possamos ver a imprensa de videojogos nacional sob o ponto de vista de um jornalista que faz dela a sua vida. A entrevista foi realizada no dia 14 de Dezembro de 2008, com a tarde já no fim, e antes de sequer se ter ouvido falar na revista SMASH, com lançamento em breve. O No Continues é um site amador e fazemos o que fazemos por paixão aos videojogos e dedicação aos leitores que fomos conquistando, ainda assim, pedimos desculpas por só agora ser publicada. Esperamos que, apesar da demora, tenha valido a pena, nem que seja pelo primeiro podcast vídeo do No Continues!
E aqui está a versão em texto, para quem a quiser. No Continues: O jornalismo de videojogos em Portugal não é encarado com muita seriedade. O que é que o levou a escolher este ramo do jornalismo precisamente em Portugal? Gonçalo Brito: Eu sempre fui fã de videojogos e sempre tive bastante interesse nessa área numa perspectiva sociológica e antropológica. A oportunidade de trabalhar na área surgiu quando o Nelson Calvinho me convidou a enviar o currículo através do fórum da Mega Score, o que é um bocado insólito – arranjar um emprego através de um fórum – mas foi assim exactamente que aconteceu. Ele gostou do meu currículo e de conversar comigo, e acabei por lá ficar, e tem sido fantástico. No Continues: Então quer dizer que já foi outrora um leitor da Mega Score? Gonçalo Brito: Sempre joguei desde o Spectrum, mas comecei a interessar-me pelo outro lado dos videojogos graças aos fantásticos redactores da Mega Score – Frederico Teixeira, Jorge Vieira e Nelson Calvinho –, que davam uma perspectiva diferente da área ao fazer uma integração e um cruzamento da indústria com a cultura Pop e com aquilo que nós somos. É bom não esquecer que os videojogos são feitos por pessoas para pessoas e que não são feitos por máquinas para máquinas, como muitas vezes as pessoas pensam ou levam a crer. Contudo, o que é realmente interessante é ver como é que um ser humano faz e joga um videojogo. Acho tão interessante estar em casa com os amigos a jogar como estar num determinado evento e ver as pessoas que normalmente não pegariam num jogo, a jogar. Penso que aquela ideia de que os videojogos são para um determinado tipo de pessoas não existe, porque, de uma forma ou de outra, toda a gente joga alguma coisa e toda a gente joga videojogos. Eles estão em todo o lado: desde o Facebook ao Windows, ou até em qualquer sítio onde encontres telemóveis. Consegues encontrar videojogos em todo o lado, portanto aquela ideia de que só joga videojogos quem gosta de videojogos é falsa. Toda a gente gosta de videojogos da mesma forma que toda a gente gosta de ver televisão, por isso é que eu me interesso sobre o que é que leva as pessoas a jogarem, porque é que elas jogam e quais são os episódios e as histórias interessantes que advêm das pessoas jogarem. No Continues: Então os videojogos acabam por ser um método de estudo do comportamento humano? Gonçalo Brito: Sim, em uma grande medida. Isso até se fala muito em relação ao The Sims. No futuro os psicólogos deixarão de dizer «fale-me um pouco sobre si» para dizerem «deixe-me vê-lo a jogar um bocadinho de The Sims» porque diz muito sobre uma pessoa. Por isso é que as pessoas que jogam [The Sims] nem sequer gostam que estejam a vê-las a jogar, porque sem dúvida nenhuma que ao jogarem elas estão a reflectir o seu próprio comportamento. No Continues: Mas diria que a sua infância junto do Spectrum e de outras plataformas da época influenciou bastante a sua escolha para esta área? Gonçalo Brito: O Spectrum foi um admirável mundo novo. Foi o largar os brinquedos para estar até mesmo na programação. Aquilo era fantástico. O jogo nem precisava de ser nada de especial, porque o simples facto de existir, de mexer e de poderes ter interacção com o que se estava a passar no ecrã – o que era extremamente revolucionário em relação ao cinema – moldou por completo a minha forma de olhar para o mundo e de olhar para as pessoas. No Continues: O que é que diria a uma pessoa para a introduzir nesta indústria e neste estudo do comportamento humano? Porque nós sabemos que há muitos estereótipos e muita gente de mente fechada. O que é que diria a essas pessoas? Gonçalo Brito: Diria que toda a gente gosta de se divertir, e que por isso vão gostar de videojogos de certeza. Existe um videojogo para toda a gente; há videojogos de todos os tamanhos e feitios e a todas as medidas. Há muita gente que pensa que não gosta de jogar simplesmente porque ainda não encontrou o jogo certo para si, mas a essas pessoas naturalmente diria «Procura, experimenta e diz-me o que é que gostas e eu arranjo-te um jogo que tu vais gostar de certeza absoluta». No Continues: Era inevitável falar de si e falar da sua carreira como jornalista de videojogos em Portugal sem mencionar a Hype!. Como é que se sente acerca desta perda? Gonçalo Brito: A Hype! foi acima de tudo um ganho. Foi uma perda, obviamente, por ter acabado, mas aprendeu-se imenso e teve-se espaço para criar coisas que nunca foram criadas daquela forma e daquela perspectiva nem em Portugal e apenas em poucos sítios do mundo. Tentámos cultivar uma perspectiva antropológica evitando o apartheid videolúdico. Não houve ali qualquer tipo de discriminação entre as pessoas que habitualmente, ou não, jogam. Houve uma tentativa de humanização dos leitores, partindo-se do princípio de que muito ou pouco, todos jogam, e aí, nesse sentido, ter podido fazer esse exercício foi uma experiência fascinante. No Continues: Houve quem comparasse a Hype! a uma Edge portuguesa. Essa foi de facto a vossa ambição? Trazer um bocado o bom jornalismo de videojogos que se faz lá fora para esta terra “hostil”?
Gonçalo Brito: Não concordo muito no sentido de haver bom jornalismo de videojogos e que lá fora isso seja a regra. Acho que existe bom jornalismo de videojogos em todo o mundo – e de certeza existirá em países cuja língua não compreendemos, tal como eles lá fora não sabem se nós somos bons ou não porque não compreendem Português – mas, falando do exemplo dos anglo-saxónicos, existe realmente um ou outro bom jornalista. Por outro lado, se calhar os anglo-saxónicos são os principais responsáveis pelo apartheid e o machismo que existe na indústria dos videojogos. Basta ir a um site como o Gamespot e encontrar um jogo que envolva uma rapariga para podermos ver piadas sexistas. Se queremos fazer jornalismo “a sério”, o jornalismo “a sério” é isento e não balança para nenhum lado nem em termos de raças, nem credos, nem sexos. Nesse sentido falta ainda muito ao jornalismo de videojogos crescer e em especial àquele que nós compreendemos – ao anglo-saxónico. Tens bons exemplos: o Kotaku tem bons jornalistas, que fazem algumas coisas que também escusavam de fazer, mas isso tem mais a ver com a linguagem do próprio jornalismo actual – que passa muito por tentar chegar aos mais novos com uma linguagem mais informal – e esse tipo de atitude por vezes colide um pouco com a ética do jornalismo, mas fora isso eles conseguem encontrar ali um tipo de equilíbrio; eu próprio, no meu blog, tento encontrar esse equilíbrio em que o que está ali é factual, só que como é um blogue de autor e é um artigo de opinião, eu posso dar a minha opinião. Mas quando eu estou a fazer uma review de um jogo, por exemplo – que é uma opinião – eu não acho que deva estar a dar a minha opinião do que é o jogo de uma forma justificada e inabalável, embora também não seja muito correcto dizer que acho que o jogo é espectacular porque tem uma miúda com umas mamas “muita” boas, entendes? Acho que isso é sexista e está ali a alienar uma parte das pessoas. No Continues: Como disse antes da entrevista, em 2003 integrou a banda “Qwentin”. O que é que o levou a seguir esse rumo diferente do jornalismo de videojogos? Gonçalo Brito: A música já está na minha vida desde os 14 anos. Sempre fui músico, sempre tive bandas e sempre foi um complemento. Os Qwentin surgem como uma conclusão de uma caminhada que foi a adolescência, em que se tocou de tudo – covers, músicas de outras bandas, músicas originais… – e onde se chegou a uma conclusão de que era tempo de experimentar algo diferente, algo que não tivesse a ver com nada e que nós gostássemos acima de tudo. Se as outras pessoas iriam gostar ou não foi algo secundário. No Continues: Na vossa entrevista ao Curto Circuito vocês disseram realmente que foi uma tentativa de experimentar algo diferente e com fortes influências no cinema, uma coisa que não é muito vulgar no ramo da música. Gonçalo Brito: Infelizmente, já vai sendo, embora que na altura em que tivemos a ideia não fosse tanto. Mas também os videojogos têm uma influência bastante presente na música porque todos nós adoramos jogar e acima de tudo, nós até fazemos uma cover da versão Spectrum da música do Robocop, que tocamos ao vivo, sempre, com vídeo e tudo, e que é das músicas mais bem recebidas pelas pessoas. Acho que a cover está fantástica - nós ainda não a gravámos, mas quando o fizermos depois colocamos online. As pessoas deixarem o pretensiosismo do cinema e dizer que têm uma banda e que gostam muito por causa do cinema será uma tendência que existirá cada vez mais. E também vamos começar a ver os videojogos cada vez mais nesse patamar, o que mostra exactamente essa abertura e que é de facto o medium para o século XXII. No Continues: Alguma mensagem que queira deixar a quem não se interessava, a quem se interessa e a quem se passou a interessar com esta entrevista ou a quem queira seguir uma carreira no jornalismo de videojogos? Gonçalo Brito: Acima de tudo… Isso é uma pergunta complexa… (ri) E com muitas parcelas (ri novamente). Primeiro, em relação ao jornalismo, eu penso que o mais importante é ter uma grande vontade de dizer a verdade e ter uma ganda lata para ir descobrir as verdades (ri). A internet veio facilitar a troca de informação, mas ao mesmo tempo veio trazer muito lixo e muita desinformação. Antigamente, o jornalista ia falar com pessoas, fazer notícias locais e entrevistar as pessoas envolvidas e resolvia aí o problema; hoje em dia, tens mil sites a dizerem-te uma coisa e dois mil a dizerem-te outra coisa, e tu tens que ter essa resistência, e essa vontade de cruzar as informações todas e descobrir o que é que é realmente “a verdade”. Ser um jornalista nunca foi um desafio maior do que é agora com a era da internet exactamente por isso. Há tanta informação que tu não sabes realmente o que te estão a dizer e é fácil cair na tentação de não dizer a verdade, de dizer o que se acha ou que vê ali naquele site. Apesar de estarmos na era da internet, dizer a verdade passa muito por ir à mesma aos sítios fisicamente e falar com/telefonar às pessoas de forma a conferir as informações, o que é uma coisa muito trabalhosa. No Continues: Há muita manipulação de informação nesta indústria, em nome do Capitalismo. Daí querer reforçar as suas palavras com a polémica Kane & Lynch, que tem muito a ver com isso – manipulação de informação. É uma tragédia, mas normalmente as pessoas vêem mais os euros do que propriamente a informação. Gonçalo Brito: Tem muito a ver com a tua integridade e com a tua formação pessoal. Nós trabalhamos para ganhar dinheiro, e quando surge – nunca aconteceu comigo, nunca fui aliciado – alguém aliciar, a abanar-te dólares na cara e a dizer-te para tu seres parcial, eu compreendo que se calhar para muita gente não é tão fácil de resistir. Obviamente que condeno. Eu não cederia porque gosto realmente desta profissão e gosto realmente que me digam a verdade, portanto também não ia mentir às outras pessoas. No Continues: Já agora, como ainda temos tempo, anda a jogar alguma coisa? Gonçalo Brito: Sim, tenho andado a jogar bastante (risos). Ando a jogar Fallout 3, que estou a adorar; Pro Evolution Soccer 2009; FIFA 09, que também ando a experimentar para ver se corresponde ao que falam dele; acabei há pouco tempo o Mass Effect, que é bom, sem ser genial… No Continues: Dizem que é pornográfico… Gonçalo Brito:(Em tom de brincadeira) Não, por acaso não encontrei lá nada minimamente pornográfico… Mas essa história do pudor também era um bom tema. Existem filmes pornográficos, estamos aqui todos porque os nossos pais tiveram sexo e no entanto as pessoas vêem um molho de pixéis enrolados e de repente isso é um grande problema… No Continues: Acho que é só. Obrigado pela entrevista, e obrigado por ter perdido este tempo com este noob…(risos) Gonçalo Brito:(Pede para chegar o microfone) Obrigado eu, por me convidarem e por me deixarem falar as minhas tonteiras e por mostrarem humildade e interesse em compreender esta indústria e em compreender as pessoas que estão por detrás disto, porque nós temos a nossa esperança toda depositada em vocês e por isso achamos excelente que vocês façam isto. Obrigado nós. Link: G2B2 - Site Pessoal Link: Revista SMASH!