"O homem é a medida de todas as coisas, das coisas
que são, enquanto são, das coisas que não são, enquanto não são."
Protágoras de
Abdera "Um
duelo é a melhor maneira de se entrar em uma sociedade."
Isócrates Sofismo: derivado do
grego sophós e sophia = sábio, sabedoria; habilidade intelectual natural
Gosto muito de discutir e
debater. É basicamente o pilar da minha diversão e da minha idéia de
trabalho: escrever e discutir. Discutir, não necessariamente para estar
ou se sentir certo, dono da verdade, vencedor de alguma coisa - embora
sempre goste de falar isso para quem está discutindo comigo - mas para
aprender, e por que não, fazer alguma amizade e conhecer diferentes
pontos de vista de um mesmo assunto. Começou quando Eu era criança e
inventava de polarizar praticamente todas as conversas com meus irmãos:
Rádio x TV, Mônica x Disney, Cérebro x Coração, mas principalmente
Comunismo x Capitalismo, e seu derivado natural, Rússia x EUA. Como meus
dois irmãos lançavam os mais variados comentários elogiosos ao
Capitalismo, passei a "defender" o Comunismo, de forma quase automática.
À partir do momento em que passei a definir o Comunismo como parte da
minha politizada e polarizada postura adolescente, naturalmente comecei a
pesquisar sobre o assunto. E muito. Ganhei diversos manuais de
Comunismo Científico escritos por Marx e Engels, além de alguma coisa de
Trotsky, tudo dado por comunistas que desistiram da vida. Ganhei alguns
livros de Viktor Suvorov que me fizeram me aprofundar em espionagem,
geopolítica e táticas militares - além de quase me terem feito entrar
para o Exército, isso depois de ter pedido uma passagem pra Moscou na
embaixada russa, via carta; história longa e meio patética. Depois
comecei a ler literatura russa de fato, uma das melhores dos séculos
recentes: Nabokov, Górki, Soljenítsin, Dostoiévski. Era um mundo legal,
combatido por aqui, e que poucos conheciam. Passava - e ainda passo -
discutindo como a União Soviética foi a verdadeira responsável por
mandar a Alemanha Nazista para o ralo, e não os americanos e seu
falacioso Dia D. Eu não concordava com porra nenhuma do que o
Comunismo pregava, nunca concordei, era irreal demais e possuía uma
visão de mundo babaca. Por mais que a teoria fosse linda para alguns - e
não era - a prática sempre foi brutalmente... real, e sempre mostrou
que existe um profundo abismo entre o que Marx escreveu e o que Stalin
aplicou. Pense em líderes comunistas, e o melhorzinho que você
conseguirá citar provavelmente é Tito, manda-chuva da Iugoslávia por
quase três décadas. Mas propagar o comunismo era ser o
cool, o
"superior", o cara que entendia de política, o não-alienado, o cara do
contra, mesmo que a moda comunista tivesse passado com a queda do Muro
de Berlim, e centenas de milhões de comunistas fanáticos convictos agora
estavam com o status de desiludidos. Para um moleque de 13 anos como
Eu, isso fazia a diferença, e parecia quase tão legal quanto uma partida
de videogame, uma pelada com os amigos ou briga na rua. Eu não trocaria
minha vida no Brasil por uma vida em qualquer país comunista que fosse,
mas ainda assim defendia com toda a minha retórica uma miríade de
países que não hesitaria em lançar uma saraivada de bombas atômicas na
minha cabeça. Eu gostava de fazer isso simplesmente porque defender uma
causa tão perdida exigia um poder de argumentação sobre-humano, nem que
fosse para ouvir um
Fica quieto! de uma professora sem paciência e
derrotada, após uma aula sobre Revolução Russa. Não importava o quão
ruim era o Comunismo, o lance era conseguir "vencer" discussões com um
monte de gente que se achava dona da verdade, e garantir umas horas de
diversão. Após ganhar um pouco mais de idade - e ter convertido
meu interesse pelo Comunismo em um já conhecido interesse pela Rússia (e
ter formulado uma teoria que dizia que a Rússia só funciona sob regimes
absolutistas, ou fortes, na linguagem deles... um dia escrevo sobre
isso aqui) -, outros assuntos interessantes entraram nas pautas das
minhas discussões. Era música, quadrinhos, literatura, cinema... mas
principalmente games, que geram os fãs mais obtusos e determinados,
quase
trolls. Era só achar uma polarização, um cara que pensava
diferente, e...
Que as discussões comecem! Naturalmente, só
procurava discutir com amigos, porque certas discussões podem trazer
sequelas, como alguns torcedores de futebol sarnentos fazem questão de
atestar. Aqui mesmo no NSN vocês já presenciaram discussões minhas,
inclusive com integrantes da equipe do blog (a do
Wii vs Gamers
Hardcore já é clássica). E com o ganho de idade entendi
melhor que debate não é só diversão, e também aprendi o conceito de
Opinião - e o debate é justamente uma arena onde as opiniões se
confrontam, e chegam até a se fundirem. Opinião é uma coisa que te segue
como uma sombra, suas opiniões geralmente te definem. Para mim, é
necessário tê-la, e não ter vergonha de expressa-la, mas nunca de forma
apressada ou sem embasamento. Mesmo sendo individual, por menos que se
admita, a Opinião é uma ferramenta de socialização. Pessoas geralmente
não aceitam opiniões contrárias às suas, e tendem a gostar de outros que
pensam como eles. É natural, não tem jeito. Desses meus primeiros
aprendizados de conceitos não tão concretos como Verdade, Opinião e
Argumento, passei a seguir o que denominei de linha de pensamento
Libertária (que naturalmente já existia, não inventei nada), o que ia
totalmente de encontro às minhas idéias anteriores com relação ao
Comunismo, que pregava coisas como Revolução Mundial e a extinção e
outras formas de política. Ser Libertário é aceitar todas as formas de
opinião e pensamento - desde que não afetem outras pessoas ou sejam
absolutistas, querendo se impor como verdade universal. Desta forma, ser
Libertário é ter um inimigo apenas: o absolutismo. O absolutismo é como
um câncer. É provavelmente a razão de ser de uns 80% dos problemas do
mundo. É um ser se achar mais importante que outro dentro de um conceito
generalista e existencial. E pior, perseguir os que pensam diferente.
Se alguém pede um exemplo de absolutismo, logo se imagina a recente
explosão do Nazi-Fascismo, e de seu teoricamente inimigo mais mortal
(que por sinal, é bem semelhante a ela): o Comunismo, que Eu defendi e
"preguei" até os 15 anos. Ou vão ainda mais longe, e citam a Idade das
Trevas, e seu símbolo máximo: a Igreja Católica e o papado; ou as
monarquias absolutistas da mesma época. Nessas formas de governo, o
monarca - seja lá que título ele tenha: rei, imperador, sultão - manda
em absolutamente tudo. Talvez até existiu alguma forma de liberdade em
alguns desses regimes, mas isso dependia da figura do mandatário querer
difundir a liberdade, já que as palavras dele tinham a força da lei.
Mas, ironicamente, o absolutismo de idéias tem registros muitíssimo mais
antigos que os da Idade Média, tendo surgido no chamado berço do
pensamento livre: a Grécia dos filósofos. No meu primeiro ano
do curso de Jornalismo, tive uma de suas matérias mais importantes:
Filosofia. Meu professor era um maluco de pedra, dava aula usando ternos
impecáveis, mesmo sob um Sol de 40º, e claramente tem uma posição
ateísta, o que irritou muitos dos alunos, mas acabou tornando-o meu
amigo - não que Eu seja necessariamente ateísta, mas gostei da forma
como ele abordou o assunto e deixou muito evangélico cheio de si
quieto.. Filosofia para mim parecia inútil até então, mas foi só passar
um semestre a conhecendo - mesmo que superficialmente - para entender
como conhecer a história do pensamento é deveras importante,
principalmente numa profissão que se baseia nisso. Mas alunos
de 17 ou 18 anos não conseguem estabelecer conexões entre gregos
barbudos que falavam de cavernas, e a gente aqui, no século XXI, com
internet substituindo os livros. Porém, como todos devem saber, a
história é uma entidade cíclica, e sempre se repete de tempos em tempos,
até mesmo num campo nebuloso como o Reino do Pensamento, e por isso se
torna tão importante estuda-la. As perseguições que ocorreram aos que
tinham idéias que iam de encontro ao pensamento Católico vigente na
chamada Idade das Trevas, já tinham ocorrido de modo bem similar na
Grécia. E da mesma forma, por pessoas que professavam a paz e a
pluralidade de pensamento - antes os filósofos da mais importante escola
grega, depois os papas, e hoje as corporações, pessoas jurídicas sem
rostos definidos, que dizem querer salvar o planeta.
No século V a.C., na
Grécia, nasceu ruidosamente a Escola Sofística. Seus adeptos - destaque
para Protágoras, Górgias, Pródico, Hípias e Isócrates - eram mestres da
retórica e do argumento, que viajavam o país fazendo discursos e
cobrando para formar estudantes interessados na busca pelo conhecimento e
na preparação para a política. Tais mestres queriam ganhar dinheiro,
espalhar conhecimento subversivo e conseguir cargos de poder através da
difusão de idéias nada convencionais. Eles foram mais longe e iniciaram a
mais forte guinada da história da Filosofia Grega: abandonaram a busca
pelo conhecimento metafísico e da constituição sobrenatural da natureza,
para concentrarem seus esforços no conhecimento do homem e do papel
dele na sociedade. É como se algum cardeal passasse a pregar que a
vontade do homem é superior a de Deus, para se ter uma idéia do nível de
pioneirismo revolucionário dos Sofistas. Quem saca de Filosofia vai
dizer que Tales de Mileto e Demócrito já tinha feito isso antes mesmo do
nascimento de Sócrates, MAS esses ainda buscavam o que chamavam de
Certeza, Verdade, algo que pudesse padronizar os fenômenos do mundo com
uma precisão matemática inédita e universalizar todo o conhecimento
existente de forma absoluta e incontestável. Não é nem preciso muito
esforço mental pra chegar a conclusão que essa galera pré-socrática
quebrou a cara, e iniciou uma onda de pessimismo, já que surgiram
diversas teorias, todas elas válidas do ponto de vista racional, mas
incompatíveis entre si. Eles chegaram a conclusão que não existia a tal
da Verdade Universal, mas não estavam muito a fim de voltar atrás no que
tinham dito, e isso permitiu a Platão tomar a dianteira com sua
castração de mundo metafísico superior - só para esclarecer: mundo
metafísico, numa linguagem aproximada = céu. O incensado
filósofo grego Sócrates, e seus três discípulos Xenofonte, Platão e
Aristóteles, que pregavam a superioridade de um mundo celestial e
místico sobre o mundo terreno, logo se opuseram e passaram a perseguir
os mestres sofistas. O choque das duas escolas - a Socrática Clássica
contra a Sofística - foi profundo de todas as formas. Sócrates e seus
discípulos defendiam a absolutização da verdade - e a superioridade da
religião sobre os negócios cotidianos - e ainda tomavam iniciativas no
sentido de somente passar o conhecimento deles para uns poucos
discípulos selecionados, que, às vezes, também eram seus companheiros
sexuais. Exatamente por isso, os (considerados) quatro maiores filósofos
gregos eram todos discípulos um do outro: Sócrates > Xenofonte e
Platão > Aristóteles. Para eles, a moral e o que chamavam de bem
coletivo, estava acima dos interesses e pensamentos individuais, e dessa
vertente de pensamento apareciam ideias como a da superioridade da
cultura grega frente a mundial, a divinização das leis e a
obrigatoriedade de se seguir os ensinamentos religiosos. Na
verdade, quando cito o Quarteto Socrático - Sócrates, Xenofonte, Platão e
Aristóteles - deve-se levar em conta que é bastante complexo saber quem
escreveu o que. Sócrates, o maior de todos eles, nunca deixou uma obra
escrita, por crer que as palavras são eternas, e seus ensinamentos são
conhecidos apenas pelas obras em forma de diálogo do seu discípulo
Platão. Alguns estudiosos (incluindo meu Professor, PhD em Filosofia
Política) dizem que Platão era manipulador, e se apropriou da obra de
Sócrates no intuito de conseguir fama para si próprio. Ele inclusive
negava com todas as letras outro fato: Sócrates também recebia pelas
aulas que dava, assim como os Mestres Sofistas - e mesmo assim chamou os
Sofistas de "prostitutos do conhecimento", mostrando que cuspia no
prato que o alimentou. Dessa forma, esse quarteto não era tanto uma
entidade única, um tijolo da verdade, como muitos pregam, mas está mais
para um grupo com um líder espiritual - Sócrates - que teve sua
imagem usada e deturpada por, pelo menos, um manipulador - Platão.
Sócrates buscava achar a verdade primeiro reconhecendo a própria
ignorância - e quando alguém afirmava algo, ele mandava o clássico:
Me
prove!. Para ele, o Conhecimento era mais importante do que
certezas, por isso criou desenvolveu a maiêutica, seu método de "parir
conhecimento". Ele se assemelhava a uma matemático ensinando equações de
segundo grau, sem deixar bem claro o valor prático delas; a equação era
linda por si própria, mesmo que não fosse muito útil. A bem da verdade é
que o Quarteto Socrático foi como uma Igreja Católica Grega: começou
sendo perseguido, mas logo passou a ser perseguidor. Seu grande fundador
- Sócrates - foi condenado a morte por "agitar a juventude" e Platão
logo se aproveitou disso. É bem similar a Pedro sendo considerado o
primeiro Papa - e substituto de Jesus e pedra angular do Cristianismo -
após a morte dele, e tendo sua imagem usada pelos papas que surgiram.
Vieram os Sofistas e
contestaram tudo isso. Eles ensinavam que o homem como ser individual
era superior a todas as leis terrenas e formas de conhecimento
estabelecidas, desde que não se afetasse outros humanos. Nesse ponto, há
pequenas divergências entre eles. Protágoras, o maior sofista de todos,
respeitado inclusive pelo maior inimigo deles, Platão; se expressava
exatamente assim, enquanto Isócrates ensinava métodos de se obter uma
vitória completa contra os adversários, não importa os custos, às vezes
defendendo que num mundo violento é necessária a utilização de seus
instintos mais sanguinários para vencer. Em complemento a esse
pensamento individualista e amoral, os Sofistas defendiam a
desobediência a lei, e a busca pelo prazer terreno. Para eles, as leis
quase sempre se baseavam em princípios torpes, e tinham por objetivo
tornar algo verdade para todas as classes de indivíduos, enquanto uma
simples observação do mundo mostrava algo completamente diferente,
deixando claro que a sociedade era heterogênea. Para os Sofistas, a lei
era a personificação da vontade de um indivíduo sobre uma sociedade,
feita de modo cheio de interesses e incorreto, gerando indivíduos presos
em falsos grilhões morais, enquanto os ocupantes de cargos de poder
quebravam impunemente os princípios legislativos que eles mesmos criaram
- e sempre prosperavam com isso. Em outras palavras:
habilidade e prudência eram fatores muito mais propiciadores de sucesso e
felicidade que submissão e falsa moral se sobrepujando aos instintos
básicos humanos. Os Sofistas criaram áreas cinzentas, ao contestar o
preto e branco do maniqueísmo aceito, fruto dos pensamentos platônicos -
pensamentos esses que são a base de toda a idéia de conhecimento
ocidental moderno, principalmente da religião cristã monoteísta e
centralizadora. Eles foram mais profundos, e contestaram até mesmo a
base do método platônico: a Gnosiologia, que buscava criar um método que
estabelecesse uma certeza, uma verdade única, coisa em que todos os
filósofos haviam fracassado. Tais idéias, naturalmente, não foram bem
aceitas pelos senhores de si, seguidores da linha filosófica Socrática -
ou, mais corretamente, do pupilo de Sócrates: Platão, inimigo declarado
dos Sofistas. Outros fatores tornaram Platão inimigo dos
Sofistas. Os Sofistas eram itinerantes, e na Grécia os itinerantes eram
odiados. Era necessário pertencer a uma cidade para cumprir as leis
dela, e ainda lutar em caso de guerra. Eles não estavam nem aí e viajam
de cidade em cidade, oferecendo aulas de retórica, política, legislação,
cidadania, astronomia, gramática, matemática, e um conhecimento secreto
exclusivo deles: a Arte da Persuasão com Argumentos, coisa que não era
usada naquela época, já que o conceito de opinião não existia. E era
justamente essa itinerância que foi uma das fontes da sabedoria que
possuíam. Ao tomarem contato com diversas culturas diferentes, os
Sofistas puderam entender que não existia a Universalidade pregada por
Platão. O mundo, as leis, as culturas, os homens... eram todos
heterogêneos, variáveis, cada um pensava de uma forma, tinha as suas
verdades - que eram verdades praticamente absolutas para os que
acreditavam nela. Nem na Grécia existia nada próximo da Universalidade,
quanto mais no mundo. Um povo podia aceitar o poligamia, enquanto outro o
abominava. O mesmo valia para o canibalismo, por exemplo. Para eles não
foi difícil alcançar tais conclusões, mas para os filósofos clássicos,
isso seria complexo, pois suas bundas estavam presas a regras que
impediriam eles de conhecerem aspectos diferentes dessa verdade. Os
Sofistas também, em sua maioria, se tornaram ricos, persuadiam, e
ganhavam pequenas fortunas vendendo conhecimento. Nessa época, o
conhecimento era restrito por laços familiares. Somente a aristocracia
recebia educação nas áreas que os Sofistas ensinavam, por isso educação
era cara, e os Sofistas tinham essa consciência. Então, mesmo cobrando -
e Protágoras, muitas vezes, deixava os alunos escolherem o preço das
aulas, segundo Aristóteles - pela educação, os Sofistas a
democratizaram, preparando uma população culta. As causas para o
aparecimento do Sofismo podem ser resumidas em uma única palavra:
crescimento. Com o crescimento e difusão de idéias da própria Filosofia,
homens passaram a contestar os pilares dela, e isso só foi possível
através do conhecimento geográfico grego. Como foi dito, os Sofistas
eram itinerantes, tinham um conhecimento carregado de pluralidade
regional, e chegavam até a viajar para fora das fronteiras gregas. Esses
dois fatores foram a base da filosofia e da natureza contestadora dos
Sofistas, enquanto mudanças profundas no quadro político grego foram o
fator impulsionador para que eles iniciassem sua carreira como
professores da retórica. Após as Guerras Médicas - contra os persas - no
século V a. C., os gregos passaram a adotar uma democracia
representativa, iniciando ao que conhecemos hoje como poder legislativo.
Os líderes agora não eram mais "indicados pelos deuses", mas escolhidos
pelo apoio popular. Os Sofistas viram a oportunidade deles entrarem no
poder através dos métodos argumentativos deles, que baseavam a forma de
poder no poder do discurso, e no embasamento de idéias, por mais
absurdas que elas fossem. Eles eram árduos defensores da Democracia,
pois viam nela uma forma de colocar no poder gente que estivesse bem
preparada e que fosse apoiada pelo povo. Assim nasceu o Sofismo. Seus
seguidores passaram a viajar a Grécia, fundando escolas. Os Sofistas, ao
contrário de várias correntes místicas como a Kaballah, não
consideravam a Palavra um fim, uma entidade sagrada, mas sim uma
ferramenta de persuasão, de propagação de idéias, de obtenção de poder.
Platão invejava o poder de discurso deles, e falou com certo ranço:
“Esses [Tísias e Górgias] descobriram
que o provável deve ser mais respeitado que o verdadeiro; chegariam até a
provar, pela força da palavra, que as coisas miúdas são grandes e que
as grandes são pequenas, que o novo é antigo e que o velho é novo.
Mostraram finalmente como se fala com poucas palavras e como se pode
pronunciar um discurso de tamanho infinito.”
PLATÃO. Fedro. Rio de Janeiro:
Globo, 1945, p. 245 Os Socráticos foram mais
radicais inimigos dos Sofistas. Tanto que eles cuidaram para que
sofismo deixasse seu significado natural,
sabedoria, para assumir uma
conotação de
engano, mentira, erro, como hoje é mais conhecido,
embora a etnologia da palavra diga outra coisa. Esse conceito de erro
muito provavelmente surgiu graças a alguns filósofos que gostavam de
confrontar os Sofistas que viam. Como eram pegos de surpresa e sem tempo
para preparem sua retórica, os Sofistas confrontados utilizavam
complexos jogos de palavras, recheados de analogias, negações-afirmações
e armadilhas, o que dava tempo para eles formularem argumentos
melhores. Platão, o mais conhecido e idolatrado filósofo grego,
foi o mais radical detrator do Sofismo e chegou a criar seis
significados pejorativos para o termo sofismo:
caçador interesseiro
de jovens ricos; negociante, por atacado, das ciências relativas à alma;
com relação às mesmas ciências, não se mostrou varejista; produtor e
vendedor destas mesmas ciências; filiava-se ele à luta, como um atleta
do discurso, reservando, para si a erística. Pode parecer o inverso,
mas Platão se mostrou um grande
troll, um cara que se levava
muito a sério, um sujeito com um rei na barriga, que enfiou cérebro
abaixo que ser aluno de Sócrates o tornava dono da verdade. Platão não
atacou as idéias dos Sofistas, não tentou desatar e responder os
questionamentos deles… Não, preferiu os chamar de filhos-da-mãe
gananciosos e traidores do movimento filosófico.
O
Mito da Caverna Os Sofistas já merecem ser
lembrados por expor um paradoxo sério na personalidade de Platão. O cara
que escreveu o clássico, famoso e ultra-influenciador
Mito da
Caverna, na verdade usou sua própria analogia para tentar se colocar
acima de todo o conhecimento estabelecido. A idéia dele era dar aos
gregos uma coisa que nenhum grande filósofo tinha feito: achar uma
verdade essencial e universal pras coisas. Por isso ele usou o Mito pra
colocar um manto de escuridão sobre todos que não se alinhassem com a
sua verdade e os chamou de alienados, de moradores de uma caverna
escura. A todos que não concordavam com suas teorias, Platão
simplesmente os desqualificava. Os Sofistas chegaram e chutaram o ponto
fundamental do Mito e questionaram:
Qual é essa tal verdade que falta a
todos? Platão não sabia, ou melhor, achava que sabia, mas não
estava preparado para a retórica cheia de argumentos e armadilhas
verbais dos Sofistas, que usavam técnicas inéditas até então, como
analogias, humor ácido e comparações inteligentes - mesmo que
aparentemente absurdas. Hoje o Sofismo é a Arte dos mestres na
argumentação. Eles mostraram pra Platão que não existe uma Verdade linda
esperando para ser descoberta depois de uma longa reflexão feita com a
bunda sobre um monte de Atenas. Não, eles construíam verdades, cada um
fazia a sua verdade, e se partisse para o confronto com outros, só
precisavam provar com os melhores argumentos possíveis. Eles não
refletiam ou se isolavam, eles conversavam, entrevistavam, e aí sim
formulavam sua linha de pensamento. Não à toa os Sofistas foram os
primeiros jornalistas, professores e advogados da história registrada, e
ganhavam muito para prestar seus serviços. Naturalmente
os inimigos dos Sofistas não foram somente os derrotados Socráticos.
Boa parte da própria opinião pública estava contra eles, com medo que
todos questionassem a moral helênica, a justiça, a ordem social. Os
Sofistas não poupavam ninguém, encontravam brechas para detonar tudo que
havia sido estabelecido pelos gregos em muitos anos, debatiam pelo
prazer de debater, e criam que o debate em si era melhor que a vitória
arrasadora que geralmente alcançavam. Os aristocratas eram outros dos
inimigos deles. Antes, a educação era restrita a uns poucos escolhidos
para a liderança política grega. Os Sofistas trouxeram educação da mais
alta qualidade e estabeleceram um preço por ela. Foi com os Sofistas
itinerantes - e não com a Academia Grega, fundada por Platão - que se
estabeleceu o conjunto de ensinos que são usados até hoje. A
aristocracia viu seu domínio sendo posto a prova, viu o conhecimento ser
espalhado, e não ficou lá muito contente com isso e iniciou a
perseguição aos sofistas - qualquer semelhança com a perseguição aos
Compartilhadores NÃO é coincidência. Com a fórmula
educação
para quem pagasse + questionamentos baseados em argumentos e não em
verdades universais, outras ferramentas da elite começaram a cair. A
religião foi uma delas, pois os Sofistas mandaram um foda-se para o
vingativo e safado Zeus, para o esquentado Hades, o indeciso Hércules e
toda a gangue que vivia no Olimpo, ou seus lacaios que faziam o serviço
sujo na Terra e diziam ser os representantes deles. O Homem passou a ser
o centro da discussão filosófica, e coisas antes nebulosas, como ética,
política e educação, em contraposição aos pensamentos centralizadores
gregos - e para ver como a história é cíclica, pense nos Iluministas -
entraram na pauta de discussão, principalmente política. Vários
estudiosos afirmam que o Sofismo não pode ser considerado uma escola
filosófica devido ao seu extremado individualismo, mas esqueceram de
notar que essa linha de pensamento era uma mostra da coesão da Escola
Sofística. Dentre os ensinos deles, se destacavam o Ceticismo, o
Empirismo (é amigos, foram os Reis da Opinião Individual que criaram a
Ciência. Ou seja: Ciência se deriva da Opinião). Aliás, Sócrates e
Platão é que eram cheios de falácia e pregaram que nossos sentidos não
eram capazes de captar a realidade, e afirmavam que método para se
chegar a verdade era a indução mediante reflexão. Protágoras fez melhor,
uniu as duas coisas e criou o principal alicerce do Método Científico: a
Indução pessoal era responsável por achar a problemática, e o Empirismo
vinha com a comprovação de tudo.
A
Escola de Atenas - pintura de Rafael Aliás,
sem a retórica dos Sofistas, o Método Científico - que atualmente é uma
espécie de substituto para deus - usado até hoje seria muito diferente.
Os gregos acreditavam em revelações divinas, os Sofistas em experiências
terrenas e práticas. Mesmo céticos, eles não negavam tudo, como dizem
certos filósofos modernos. Eles criam que o Empirismo era a fonte de
idéias primordial, e não o conceito de idéias inatas e intangíveis que
era vigente até o momento. Eles queriam ver, e não acreditar em caras
que aparecessem dizendo que tiveram revelações; eram caras de pouca fé.
As revelações eram até aceitas, desde que comprovadas na prática, coisa
que os socráticos - principalmente Platão - não estavam preparados pra
fazer. É possível notar que a opinião, e o auto-conhecimento é como um
guia para a Ciência. Um cientista não inicia pesquisas às quais não
tenha interesses pessoais nos resultados. Ou, caso queira, pode muito
bem ocultar os resultados que não lhe são de interesse. Na busca pela
verdade, o senso do próprio cientista/filósofo ainda é o guia, não
importa quão bons sejam os métodos por eles utilizados. Nenhum cientista
é puro, por mais estudado que seja, ele ainda é carregado de opiniões,
ideologias, contratos, patrocínios. Os Sofistas criaram as bases
relativistas para todas as verdades universais, e elas ainda são válidas
sob todas as óticas do pensamento. O Ceticismo deles não queria dizer
que tudo era mentira, mas sim que tudo podia ser verdade, depende para
quem era a mensagem, e como ela era fundamentada. Felizmente,
as campanhas desmoralizantes de Platão & cia tiveram um certo efeito
inverso entre alguns filósofos modernos, e os Sofistas ganharam
reconhecimento de alguns. O principal reabilitador da obra sofística foi
Friedrich Hegel, filósofo alemão do século XVII, que após diversos
estudos, chegou a conclusão que sem os Sofistas, a obra de Platão seria
inócua, ou que a Filosofia Ocidental se encontraria travada, além de o
desenvolvimento da Ciência se atrasar. Eles não foram santos, alguns
eram gananciosos, queriam o poder e o dinheiro, e colocavam sua
sabedoria a serviço de quem os pagasse. Mas seu espírito democratizador,
questionador, heterogêneo e subversivo foram fundamentais para o
desenvolvimento da humanidade. Os Sofistas eram isso.
Eram o underground da Filosofia Grega, estavam para os socráticos da
mesma forma que o The Clash estava para os Beatles. Ou como
Os
Invisíveis estavam para a Outer Church. Eles eram os
anti-filósofos, não queriam salvar o mundo, apenas a si mesmos e os que
estavam ao seu redor, mais ou menos como o justiceiro mascarado
Rorscharch em oposição ao cheio de si Ozymandias. Eles eram violentos,
anárquicos, questionadores, não estavam nem aí se estavam soltando uma
manada louca numa sociedade acostumada com a perfeição e a ordem. Eram
como o Batman atirando uma bala radioativa nas bolas do Darkseid, coisa
que o Superman, com a força dele não conseguiria graças ao cérebro
diminuto. Causavam revoluções sociológicas destrutivas por motivos
pessoais, como o V desconstruindo uma Inglaterra distópica, vingando a
todos que deixaram ele do jeito que era. Eram milimetrica e malignamente
perfeitos em seus argumentos e tinham conhecimentos dos mais amplos,
como Sir William Gull, o Jack, o Estripador de
Do Inferno.
Eles não tinham medo de jogar na cara da aristocracia que a verdade
deles era uma mentira, assim como Hunter Thompson. Os Sofistas
perceberam - assim como Neo, Morpheus e Trinity - que a maioria dos
homens não quer ser libertos, os que nascem escravos mentais
provavelmente continuarão com grilhões os prendendo para sempre. Os
Sofistas foram um dos criadores da Ciência Moderna, do Individualismo
perante o Coletivismo, do Conhecimento sobre a Fé. Foram eles os
precursores da contracultura, dos hippies, dos punks, , dos anarquistas.
O Sofismo foi um dos primeiros movimentos subversivos da história.
Foram eles que lançaram as sementes da Teoria do Caos e da Incerteza
Quântica. Graças a eles a Ciência se uniu a Opinião e ao Misticismo,
aliando métodos empíricos em coisas tão díspares, como a Magick e o
moderno Método Científico. Sem eles a Psicologia Jungiana de Arquétipos
não existiria. Os movimentos artísticos transgressores, como o Dadaísmo,
não teriam força. Sem os Sofistas as mulheres não queimariam sutiãs. O
mundo seria coberto com uma máscara de verdade universal, estaria
sujeito a leis divinas de forma obrigatória. O Sofisma permitiu aos que
quisessem, verdadeiramente saírem da Caverna. Sem os Sofistas, o Mundo
do Pensamento teria bem menos Liberdade. Se você está
lendo esse texto - ou um livro de Palahniuk, um manual subversivo de
William Powell, ou um manifesto de Bob Black - e não confessando seus
pecados na igreja mais próxima, tentando achar a verdade universal,
assim como todos os outros bilhões de habitantes do mundo ocidental,
agradeça aos Sofistas. É o mínimo que eles merecem!
Referências:
Sofistas e Sócrates -
Sandro Dau [PhD em Filosofia Política]
Análise
das Obras Górgias e Fédon de Platão - Mário Ferro e
Manuel Tavares
Dos Argumentos Sofísticos - Aristóteles PS: Que fique claro que analisei apenas alguns
aspectos da obra das duas escolas filosóficas, principalmente no que
tange ao conceito de Verdade. Logicamente que os Socráticos
desenvolveram muito mais conhecimento do que os citados, mas o âmago da
busca deles - a Certeza - e a perseguição que empreendeu aos Sofistas
foi incorreta, como qualquer um pode perceber.