É para uma “zona de bastidores” que
remetem as novidades da programação da SIC
e da TVI em 2003. Violando o espaço íntimo
dos convidados, os novos programas de que
falmos no ponto anterior colocam em cena
pessoas que representam um papel que lhes
está previamente configurado: o de vítimas.
Essa visualização da “extimidade”, ou seja,
“o movimento que leva cada um a exteriorizar
uma parte da vida íntima, física e psíquica”
28, poderia ser uma oportunidade para
multiplicar espelhos numa tentativa de se
conseguir perceber melhor a respectiva identidade.
Não é exactamente isso que se passa
nesses programas. Sabendo que encontram
no apresentador da emissão um coadjuvante
ou um opositor àquilo que expõem, os
convidados sentem-se na obrigação de representar
um papel. Não é para a verdade que
os depoimentos se orientam, mas para uma
autenticidade que se pretende que comova
aqueles que assistem a isso: apresentador,
público no estúdio e, sobretudo, as audiências.
Tal como acontece com as “novelas da
vida real”. Entre todos estes programas, não
há muitas diferenças. Em 2003, a TVI avança
com a quarta edição de “Big Brother”, mais
arrojada do que as anteriores, cujo slogan é
a garantia de que os concorrentes “vão pôr
tudo a nu”. Numa resposta à TVI, a SIC
estreia a 5 de Setembro um formato da
“Fremantle Media” chamado “Ídolos”, um
programa bastante semelhante à “Operação
Triunfo” da RTP1. Numa entrevista à “TV
7 Dias” (nº 863, de Outubro de 2003), o
director de Programas da SIC, Manuel da
Fonseca, refere as razões inerentes à escolha
deste tipo de conteúdos: “Os ‘Ídolos’ permitem-
nos estabelecer uma relação directa
com os espectadores. É uma porta aberta à
opinião e ao voto, o que, no final, fará com
que alguns milhões de espectadores sintam
que foram eles a fazer o programa. É essa
a aposta: fazer uma estação de mãos dadas
com o telespectador”. Eis aqui o exemplo
da terceira fase da televisão de que fala Eliseo
Veron. Se das audiências se espera uma
participação que complete a produção de
determinado programa, torna-se obrigatório
construir permanentes elos de ligação com
os diversos públicos, o que será facilitado
se os conteúdos se desenvolverem num
registo que promova a afectividade. É também
isso que se pretende em programas como
o “Bombástico” e “Vidas Reais”, apesar de
isso ser aí mais ilusório do que real.
Será, então, que atingimos a terceira fase
da televisão? Ao nível do entretenimento, a
oferta televisiva dos canais privados da era
“pós-Big Brother” sela as previsões de Eliseo
Veron e de François Jost. Na programação
emitida em horário nobre, evidenciam-se
sinais que atestam modificações profundas.
Por que será que os canais privados expulsaram
a informação semanal do segmento
nocturno que se segue aos noticiários diários?
Porque há outros conteúdos mais do
interesse do público? Porque (ainda) não se
descobriram meios que introduzam o espectador
nessas emissões? Porque a realidade
encontrou formas mais espectaculares de
mediação?
Em 2003, SIC e TVI criaram novos
formatos para retratar a realidade. Com um
novo perfil de convidados, com uma atitude
participante do apresentador e com um
público em estdio mais activo. No caso da
SIC, as estreias que surgiram não perduraram
por muito tempo. Na TVI, “Vidas Reais”
e “Eu Confesso” tiveram uma longevidade
maior, sem, no entanto, conseguirem força
suficiente para vingarem em horário nobre.
Em qualquer dos casos, ficou por cumprir
aquilo que estrutura a terceira fase de que
nos fala Eliseo Veron: o centralismo do
telespectador no desenvolvimento dessas
emissões. Todavia, acompanhando o discurso
dos responsáveis pelas estações privadas,
essa aproximação às audiências é uma preocupação
constante. Ao comemorar a 20 de
Fevereiro de 2003 os dez anos da TVI, o
respectivo director-geral, em entrevista á Lusa
citada pelo “Público, apresenta a sua televisão
como “próxima do cidadão”, com
programas que “vão ao encontro dos gostos
dos espectadores” e com “uma informação
desengravatada”. Numa conferência sobre”
“Cultura e Comunicação” realizada no Porto
a 7 de Outubro de 2003, o presidente do
Conselho de Administração da SIC, Francisco
Pinto Balsemão, defendia que “os programas
têm de agradar ao maior número de
pessoas e não têm necessariamente de ser
enriquecedores, têm de divertir, entreter e
libertar”29. Na base de tudo isto, estará aquilo
que o director de programação da SIC, em
entrevista à “TV Guia” (nº 1251, Janeiro de
2003), considerava “a melhor definição da
televisão privada”: “um negócio que tem
como único cliente os anunciantes a quem
vende o número da audiência alcançada”,
concluindo, assim, que “servir o público é
inevitável”. No caso das televisões privadas,
o passado recente demonstra que a fórmula
de sucesso se concentra em conteúdos de
entretenimento, onde é mais fácil levar a
audiência a (acreditar que pode) determinar
o desenvolvimento das emissões.
http://www.bocc.ubi.pt/pag/lopes-felisbela-big-brother-um-programa-que-mapeou-a-informacao-televisiva.pdf