25.06.2009
Stop the press! Le Sketch in Laica!
25.06.2009
Laica 2009Pedro Zamith: Brains Out!!!
Miguel de Matos
Cérebros com vermes. Olhos arrancados. Veias a palpitar sob uma pele verde. Músculos prestes a rebentar. O caos! Não, não é nenhuma cena de um filme de terror. Tampouco o resultado de um acidente de grande dimensão. Não levem as mãos à cabeça (se ainda a tiverem), é apenas o imaginário de Pedro Zamith.
Imagens agressivas, viscerais (por vezes no sentido literal da palavra), mas tremendamente hilariantes, são as criadas por Pedro Zamith. Mas não se pense que o objectivo é despertar qualquer instinto violento. O seu trabalho é muito mais sofisticado e baseia-se, acima de tudo numa ironia social e urbana. «Não sou apologista da violência, mas seduz-me imenso a agressividade nos desenhos, o factor de subversão», disse à Umbigo. As suas ilustrações, bandas desenhadas e pinturas são povoadas de criaturas bizarras, ao ponto do ridículo. Personagens deformadas, apresentadas em esgares extremos ou posições impossíveis. «O meu trabalho anda à volta do corpo», explica. «Não tanto a partir da exploração do lado sexual, isso não me fascina. Estou mais interessado em captar o movimento, a dinâmica... O lado mais grotesco, o gore... A exploração do corpo, de um ponto de vista ridículo, as personagens cheias de sangue, com os miolos de fora...».
As criaturas zamithianas são sempre personagens urbanas, habitantes de cidades cosmopolitas. «Ando nas ruas a olhar para as pessoas e inspiro-me assim», diz. Talvez por isso seja possível achar traços de caricatura no seu trabalho. Para a exposição de Zamith na Galeria Monumental (Novembro de 2003), João Paulo Cotrim, antigo director da Bedeteca de Lisboa, escreveu assim: «O corpo é, desde logo, um dos territórios que fazem de Z. um explorador. Afinal, a anatomia é uma geografia toda feita de fragmentos, uma matéria que permite recomposições em função de um detalhe (sangue e saliva ou relógio e seringa). Na longa linhagem da caricatura, o exagero torna tudo mais evidente. Até o enigma. Explícita e obscena como um grito só mesmo a carne, matéria elástica que possibilita todas as distorções. Como Gorsz, as figuras são apanhadas em situação (social e brutal), comentam-na com os seus gestos, os seus esgares. Tornam-se assim personagens disponíveis».
Outra faceta interessante do delírio zamithiano é a reviravolta que o artista dá aos ícones da pintura ocidental: «Peguei em quadros conhecidos do Renascimento e do Barroco e subverti-os. Transformei as personagens, ridicularizando-as. Dei-lhes um aspecto agressivo, e ao mesmo tempo, aparvalhado. Se reparares, os gajos têm sempre cara de parvos, são cómicos», explica. E, realmente, qual não é o nosso espanto quando vemos versões alucinadas de As Meninas, de Velázquez, ou A Lição de Anatomia, de Rembrandt...
O nome Peter Jackson deve ser familiar para a maior parte das pessoas que estão a ler estas linhas. O realizador da saga O Senhor dos Anéis é também (menos) conhecido por ter levado a cabo uma verdadeira odisseia gore com orçamento quase nulo, e que hoje é um filme de culto: Bad Taste. Ao olhar as imagens de Pedro Zamith, vêem-nos à memória alguns momentos de carnificina deste filme (quem não viu, faça uma pesquisa). E não é absurda a ideia: Bad Taste é uma obra de referência para este artista de 32 anos. «O meu trabalho é sempre muito cinematográfico em termos de procura de planos. É muito descritivo e narrativo. Há muitos cineastas que me fascinam imenso. Os meus desenhos e pinturas são muitas vezes como a captação de uma imagem, como se fossem frames de um filme». Algumas ranhocas e outras visceralidades nojentas são talvez reminescentes de alguma influência Ren & Stimpy. «Não me chateia nada que achem referências alheias nos meus trabalhos», responde Zamith. «Por exemplo, também gosto muito do trabalho de Robert Crumb. Atrai-me bastante o seu o discurso, embora ele ande muito à volta da sexualidade. Acho mais piada a um boneco que arranca um olho e o oferece ao espectador para ele ver pelos seus olhos...».
Pedro Zamith dedica-se ao extremo às personagens que cria e por vezes desenha-as até à exaustão. «Concebo primeiro as personagens e só depois é que elas são envolvidas por determinado espaço ou cenário. Nunca repito personagens. A minha linguagem assenta num discurso muito gráfico e às tantas, para não tornar a coisa numa receita culinária, tento sempre criar novas personagens. Mesmo quando construo uma banda desenhada, ponho os bonecos em ângulos completamente diferentes, com outras cores... Nunca fico contente com o primeiro desenho e ando sempre à procura das personagens», confessa. «Às vezes apago tudo só porque um dente não ficou exactamente como eu queria. Sou muito “picuinhas”. Desenho-as muitas vezes até conseguir a expressividade que pretendo». Ainda bem, porque assim não é preciso arrancar um olho a Pedro Zamith para poder ter a sua visão destas criaturas bizarras...
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Quem é Zamith?
O percurso de Zamith começou com estudos de Cenografia e Figurinos na Escola Superior de Teatro e Cinema, ao que se seguiu a licenciatura em Pintura pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa. «Sempre quis ir para Belas-Artes. No caso da cenografia, tens que te restringir ao texto, há limites, não há liberdade total. No entanto, o curso de cenografia foi importante porque me despreocupou em relação às escalas. As minhas telas são muito grandes e, como fui habituado a trabalhar em cenografia durante três anos, cheguei à Faculdade de Belas-Artes sem quaisquer problemas em fazer obras em grandes escalas». Entretanto, já tinha mostrado trabalho com ilustrações para o jornal Público e através da criação do fanzine Nova Gina. Desde então tem exposto em locais como a Galeria Zé dos Bois, Museu de Arte Contemporânea de Serralves, Hospital Júlio de Matos e nas Galerias Quadrum e Monumental. Participa regularmente no Salão Lisboa e ilustrou várias edições do jornal Combate, assim como das revistas Bíblia, Volta ao Mundo e Sábado. Entrou também no livro da Associação Chili com Carne, Mutate and Survive. Tem um livro editado pela Bedeteca de Lisboa, chamado A Estranha Ligação de Três Habitantes de Brooklyn: o Taxista, o Talhante e o Farmacêutico. Está para breve a edição de mais um volume da colecção BDJazz, ilustrado por Zamith, à semelhança do já editado volume sobre Frank Sinatra. Nesta colecção da editora francesa Nocturne, é o único português, entre os participantes.
http://www.bedeteca.com/index.php?pageID=recortes&recortesID=1571